O BCG produzido pela Fundação Ataulpho de Paiva (FAP) é o BCG Moreau Rio de Janeiro, o qual é uma vacina brasileira, vacina referencia da OMS, uma das estirpes de BCG mais estudadas no mundo, inclusive com o maior estudo clinico de BCG já realizado (feito com a nossa vacina, patrocinado pelo MS e realizado pelo Prof. Mauricio Barreto), além disto a estirpe é de propriedade da FAP, que detém todos os lotes semente primários e secundários. É a cepa de vacina BCG com menos efeitos adversos e maior eficácia, sendo a única a ser aplicada em filhos de mães HIV +.
O BCG foi doado ao Brasil na década de 1920, quando um bacteriologista uruguaio e estagiário na França, Dr. Elvio Julio Moreau, o trouxe do Instituto Pasteur de Lille (França) e em maio de 1925 o entregou ao Prof. Arlindo de Assis, que na época estava vinculado ao Instituto Vital Brasil (IVB) em Niterói, RJ. Arlindo de Assis o estudou inicialmente em animais e demonstrou sua não virulência, começando posteriormente seu uso experimental em recém-natos. Houve duas tentativas iniciais, na primeira 17 crianças foram imunizadas pelo Instituto de Assistência a Infância em Niterói e na segunda, já na cidade do Rio de Janeiro, quase 150 crianças foram imunizadas pelo Serviço de Higiene Pré-Natal do RJ. Foi relatado que “nenhum incidente desagradável foi observado com a ingestão do BCG”. Entretanto a produção da vacina não era constante e havia dificuldade de acesso as crianças a serem vacinadas. A Liga Brasileira contra a Tuberculose (atual FAP) tomou conhecimento destes fatos e através de seu Presidente, o Desembargador Ataulpho de Paiva, que formou uma Comissão Técnica Consultiva para estudar a conveniência de adotar a vacinação como método profilático de combate a Tuberculose. Em 15 de outubro de 1927, após parecer favorável da Comissão, é instituído o Serviço de Vacinação com o BCG na Liga e um acordo com o IVB foi firmado. Neste acordo o IVB fabricaria a vacina BCG e a estudaria, já a Liga a aplicaria e avaliaria os resultados da vacinação. Entretanto com o aumento da demanda pelo BCG, associada ao aumento da dose oral recomendada por Arlindo de Assis, de 3 doses de 10 mg para 3 doses de 20 mg, houve a necessidade de uma unidade industrial para fazer a vacina. Em 30 de dezembro de 1930 a Liga inaugurou sua nova fábrica de BCG no Instituto Viscondessa de Moraes em São Cristovão, RJ. Com isto houve a difusão da vacina para outras partes do Brasil. (Ribeiro, Lourival. Fundação Ataulpho de Paiva. Liga Brasileira contra a Tuberculose: notas e documentos para sua história. Rio de Janeiro. 1985. 370p.)
A Liga intensificou a difusão da vacina, à medida que se encontrava preparada material e tecnicamente e procurou junto ao governo obter apoio e recursos para o seu empreendimento. Logo, em 28 de abril de 1932 foi assinado um contrato entre o Departamento Nacional de Saúde e a Liga Brasileira contra a Tuberculose. A partir daí a Liga pôde atender com regularidade a quantidade mínima de 20.000 doses de vacina anuais. O Instituto Viscondessa de Moraes (IVM), além de produzir o BCG em escala crescente, desenvolvia pesquisas de laboratório relacionadas ao imunoterápico, assim como mantinha os estudos de campo sobre sua eficiência.
A Liga Brasileira contra a Tuberculose, já com o estatuto de Fundação, incorporou ao seu nome em 1936 o de Ataulpho de Paiva, seu presidente perpétuo. Portanto, a Liga Brasileira contra a Tuberculose, hoje Fundação Ataulpho de Paiva, transformou-se numa instituição de pesquisa e produção na linha de imunoterápicos, mantendo seu caráter privado.
A intensificação do combate à tuberculose no âmbito do governo federal continuou se processando e, assim, foi criada em 1946 a Campanha Nacional contra a Tuberculose (CNCT), com a proposta de ser um órgão de caráter temporário, até que se atingisse o controle da doença nacionalmente. A demanda pela vacina era crescente e o deputado Miguel Couto Filho apresentou em 1948 um projeto de lei, aprovado pelo Presidente Gaspar Dutra em 13 de novembro de 1948, que no seu artigo 4 autorizava o Serviço Nacional de Tuberculose a contratar entidades com idênticas possibilidades técnicas e cientificas a fabricar e fornecer a vacina BCG em condição de ser produzida sob controle de técnicos especializados. Observa-se que a Fundação Ataulpho de Paiva é a única instituição referida explicitamente como produtora e fornecedora da vacina BCG. (Dilene Raimundo Nascimento. Fundação Ataulpho de Paiva. Liga Brasileira contra a Tuberculose. Um século de Luta. Quadratim, Rio de Janeiro, 2002).
Contando com a valiosa colaboração da FAP, o Serviço Nacional de Tuberculose conseguiu aumentar sensivelmente a distribuição de uma vacina padrão em todos os estados brasileiros, passando gradativamente de cerca de 40 mil doses em 1945 para quase 600 mil em 1949.
A metodologia de manutenção da estirpe ou cepa BCG era a passagem entre culturas e o responsável por esse método o Prof. Arlindo de Assis. Ele utilizou meios de cultura diferentes daqueles recomendados pelo Instituto Pasteur, principalmente por causa da Segunda Guerra Mundial, período durante o qual o pesquisador não recebia os insumos que eram necessários para fazer os meios recomendados para essas replicações. Com essa adaptação, aquela vacina que, incialmente tinha uma característica, foi modificada. Para nossa sorte, sabemos hoje esta modificação propiciou o desaparecimento de um gene responsável por efeitos adversos e criou de uma cepa única, que é o BCG Moreau Rio de Janeiro. A metodologia de manutencão da estirpe por passagens foi utilizada até 1968 na FAP, quando foi substituida gradualmente pelo uso de lotes semente (liofilizados).
Em 1966 morre o Prof. Arlindo de Assis e cresce a pressão pela mudança por vacina injetável. Na época as novas diretrizes da OMS apontam para a substituição da utilização de passagens de cultura para manutenção das cepas por utilização de lotes semente liofilizados, os quais são mais estáveis, geneticamente seguros e garantem melhor qualidade ao produto final. Em 1968 em convenio com a OMS foi preparado para a FAP no Statens Serum Intitut (SSI) da Dinamarca lotes semente primários e secundários da estirpe BCG Moreau Rio de Janeiro. Vacinas feitas a partir alguns destes lotes foram aplicadas em crianças e mostraram bons resultados. A partir de então estes lotes sementes secundários foram utilizados para fabricacão das vacinas. No Brasil, o BCG Moreau foi administrado por via oral como padrão vacinal contra Tuberculose até 1970, quando a imunização intradérmica foi iniciada, seguindo as novas diretrizes da OMS. A FAP passou a
produzir em 1970, além da BCG oral, a vacina intradérmica líquida, ao mesmo tempo em que buscava soluções para o difícil e custoso preparo da liofilização. Foi feito o acordo, nesse mesmo ano de 1970, com a Conferência dos Bispos Alemães, através da benemérita Misereor e do próprio governo da República Federal Alemã, bem como com o Ministério da Saúde brasileiro, no sentido da FAP receber a aparelhagem de liofilização e executar obras de adaptação no IVM. No ano de 1972 o IVM encontrava-se em condições técnicas e materiais que lhe asseguravam a possibilidade de passar a produzir a vacina BCG oral, a intradérmica e a liofilizada.
A tuberculose (TB) foi declarada uma emergência global pela OMS em 1993, pois o Mycobacterium tuberculosis foi o responsável por mais mortes de adultos do que qualquer outro patógeno nos últimos anos. Na época a vacinação com BCG ainda continuava sendo o padrão para a prevenção da TB na maioria dos países, devido à sua eficácia na prevenção de formas de TB com risco de vida em bebês e crianças pequenas. Além de ser barata e necessitar de apenas uma dose em recém-nascidos ou adolescentes e não haver alternativa adequada. Com isto foi formado pela OMS no final dos anos 1990 um comitê para atualização da Vacina BCG, para o qual foi convidado o nosso Diretor Científico – Prof. Dr. Luiz Roberto Castello-Branco. Nas primeiras reuniões objetivos foram traçados para entender melhor os BCGs utilizados no mundo e melhorar a produção e o Controle de Qualidade dos mesmos.
Em 1998, em colaboração com o Dr Marcel Behr da Universidade de Stanford nos EUA, foi feita a caracterização genética do BCG Moreau, através da comparação das diversas cepas existentes no mundo (Behr M A, Wilson M A, Gill W P, Salamon H, Schoolnik G K, Rane S, Small P M. Comparative genomics of BCG vaccines by whole-genome DNA microarray. Science.
1999;284:1520–1523). O produto da FAP foi classificado como bastante conservado, conseqüentemente altamente imunogênico.
Em 2001 a FAP aprovou na FINEP o projeto “BCG Moreau – Aperfeiçoamento de seu Processo de Produção e Novas Aplicações como Recombinante e na Forma de Concentrado”. Dentre os objetivos deste projeto estavam melhorar o processo de fabricação dos BCGs e levar ao mercado um BCG específico para o tratamento do Cancer superficial de Bexiga. Na época já produziamos o BCG concentrado liofilizado de 40 mg que era utilizado para diversas patologias inclusive o Cancer Superficial de Bexiga, entretanto não atendia as novas metas de produção e Contrôle de Qualidade que tinhamos como objetivo para este fundamental produto. Portanto para tal mister necessitaríamos melhorar o processo de produção, principalmente através da adequação dos meios de cultura que utilizavamos para o crescimento do BCG Moreau RDJ, melhoria da lliofilização e utilização adequada do Lotes Semente. Este estudo foi concluído com sucesso em 2005 e posteriormente foi lançado no mercado o ImunoBCG.
Em 2004 os BCGs a serem estudados foram selecionados e a terminologia a ser usada
para melhorar o conhecimento da caracterização molecular das vacinas BCG foi resumido no plano de trabalho e acordado pelos colaboradores e fabricantes participantes. A terminologia
acordada na reunião a ser utilizada para as sub-cepas de BCG é Tokyo 172-1, Russian BCG-I, Danish 1331, Pasteur 1173-P2 e Moreau RDJ. (https://cdn.who.int/media/docs/default-source/biologicals/vaccine-standardization/bcg-(tuberculosis)/bcg-vaccines-report-december-2004.pdf?sfvrsn=94c84c29_2&download=true).
Em 2008 o comitê de vacina BCG da OMS após diversos estudos dos quais participamos, estabeleceu as normas para a utilização de um novo teste de viabilidade (Bioluminescência) a ser utilizado como Contrôle de Qualidade das Vacinas BCG. (Ho MM, Markey K, Rigsby P, Jensen SE, Gairola S, Seki M, Castello-Branco LR, López-Vidal Y, Knezevic I, Corbel MJ. Report of an international collaborative study to establish the suitability of using modified ATP assay for viable count of BCG vaccine. Vaccine. 2008 Aug 26;26(36):4754-7. doi: 10.1016/j.vaccine.2008.06.026. Epub 2008 Jun 27. PMID: 18586063).
Em 2010 o comitê de vacina BCG da OMS, após diversos estudos dos quais participamos, estabeleceu as normas para a utilização de um novo teste de identidade para os BCGs utilizando a tecnologia de PCR multiplex como Contrôle de Qualidade das Vacinas BCG. (Markey K, Ho MM, Choudhury B, Seki M, Ju L, Castello-Branco LR, Gairola S, Zhao A, Shibayama K, Andre M, Corbel MJ. Report of an international collaborative study to evaluate the suitability of multiplex PCR as an identity assay for different sub-strains of BCG vaccine. Vaccine. 2010 Oct 8;28(43): 6964-9. doi: 10.1016/j.vaccine.2010.08.045. Epub 2010 Aug 21. PMID: 20732463).
Em 2011 finalizamos o estudo da sequencia genomica do BCG Moreau Rio de Janeiro, iniciado alguns anos antes e totalmente financiado pela FAP e por nossa parceira neste estudo a Fiocruz. Neste estudo algumas sequencias foram patenteadas para garantir a propriedade do Lote Semente pela Fundação Ataulpho de Paiva. (Gomes LH, Otto TD, Vasconcellos EA, et al. Genome sequence of Mycobacterium bovis BCG Moreau, the Brazilian vaccine strain against tuberculosis. J Bacteriol. 2011;193(19):5600-5601. doi:10.1128/JB.05827-11). No mesmo ano descrevemos o perfil proteomico do BCG Moreau Rio de Janeiro em conjunto com a Fiocruz. (Berrêdo-Pinho M, Kalume DE, Correa PR, Gomes LH, Pereira MP, da Silva RF, Castello-Branco LR, Degrave WM, Mendonça-Lima L. Proteomic profile of culture filtrate from the Brazilian vaccine strain Mycobacterium bovis BCG Moreau compared to M. bovis BCG Pasteur. BMC Microbiol. 2011 Apr 20;11:80. doi: 10.1186/1471-2180-11-80. PMID: 21507239; PMCID: PMC3094199).
Em 2012 o BCG Moreau Rio de Janeiro foi aprovado como vacina referência da OMS. Para tal mister a FAP preparou um lote de 5.000 ampolas para a OMS, com supervisão da mesma.
Amostras deste lote foram escolhidas aleatoriamente pela mesma organização e enviadas para ser estudadas por 16 laboratórios de contrôle de qualidade certificados pela OMS, em 13 países diferentes, representando todos os continentes. Os resultados do estudo mostraram a qualidade de nossa vacina. (Dagg, Belinda, Rigsby, Peter, Hockley, Jason, Ho, Mei M., WHO Expert Committee on Biological Standardization. et al. (2012). International collaborative study to evaluate and establish the 1st WHO reference reagent of BCG vaccine of moreau-RJ sub-strain.
World Health Organization (https://apps.who.int/iris/handle/10665/96587). Consequentemente a mesma foi considerada vacina reagente de referência da OMS (https://www.nibsc.org/products/brm_product_catalogue/detail_page.aspx?catid=10/272)
A OMS publicou as normas sugeridas para Produção e Controle de Qualidade (CQ) para a vacina BCG em 1965 e estas foram atualizados em 1978 para refletir o aumento do conhecimento sobre a dose de vacina a ser administrada e a mudança para preparações liofilizadas. Estas foram modificados em 1985 para atualizar os requisitos de Produção e CQ e alterados novamente em 1987 para alterar os requisitos relativos à data de validade. Após diversas reuniões das quais nosso Diretor Cientifico (Prof. Dr. Luiz R Castello-Branco) participou, a partir de 2009, as orientações sobre vacinas BCG foram revisadas e atualizadas e as novas Recomendações foram publicadas em 2013 (https://www.who.int/publications/m/item/trs-979-annex-3-bcg-vax)
Em 2017 iniciamos a transferência de tecnologia do ImunoBCG para a fábrica espanhola da Biofabri SL do grupo Zendall, para isto a Agência Reguladora Espanhola (AEMPS) solicitou um estudo clinico que foi iniciado em 2019 e deverá terminar no final de 2022. Dentro do contrato firmado, a Biofabri SL importará os lotes sementes para a produção do ImunoBCG. (https://clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT03982797).