Design é chamariz para pesquisa em Vila Rosário



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Em 2005, durante a fase preparatória para a pesquisa, direto da Finlândia, sobre a população de cerca de 60 mil habitantes do bairro de Vila Rosário, em Duque de Caxias, pesquisadores brasileiros, doutorandos da Universidade Aalto, em Helsinque, orientados pelo professor Ilpo Koskinen, tinham pela frente o desafio de contribuírem para importantes transformações sociais, principalmente ligadas à tuberculose/HIV. Perceberam a ausência de trabalhos de design gráficos aprofundados e de longa duração relativos a áreas empobrecidas do Brasil. Para conhecerem a realidade local e levarem informações aos moradores, desenvolveram uma série de métodos e práticas de design, adaptada conforme as necessidades e expectativas da comunidade e as solicitações do Instituto Vila Rosário (IVR) / Fundação Ataulpho de Paiva.

Os pesquisadores, na Finlândia, convidaram os moradores da Vila Rosário a registrar seus cotidianos por meio de uma “Sonda Cultural” (Cultural Probes), que consiste no envio de objetos sugestivos para o pesquisado registrar pensamentos, sentimentos e hábitos expressos em desenhos, fotografias, cartões postais, diários, brincadeiras e tudo o que foi pedido. Os moradores, inclusive as agentes comunitárias de saúde, a princípio,foram sondados por meio de uma história que desenvolviam sobre um rapaz excluído do ambientepor estar tossindo, sobretudo para saber como procedem nestes casos.

Também tiveram a oportunidade de expressar seus sentimentos e pensamentos ao receberem máquinas descartáveis para tirar 17 fotografias cada um, conforme roteiro e também livremente. Inspiraram-se em fotografias de artistas em cartões postais e participaram de brincadeiras baseadas na elaboração de propaganda de produto e na maneira como percebem determinados profissionais, entre os quais as próprias agentes de saúde, médicos, políticos, entre outros. Fizeram diários motivados por detalhes do cotidiano e pelainteração com tecnologia. Todos puderam usar gravadores e papéis contendo perguntas impressas para responderem. Também se pediu para que fotografassem as próprias geladeiras abertas, para conhecer o aspecto nutricional.

Com a perfeita interação entre todos os envolvidos, a pesquisa, além de divertida, disseminou valores como conhecimento, consciência e esperança

A proposta era promover a participação do usuário na pesquisa de tal forma que se tornasse sujeito e não o objeto da pesquisa, fazendo recortes e ressaltando o que lhe interessava. A necessidade de aproximação com a realidade dos moradores levou os designers a criarem identidade visual como a logo para o IVR, além de outras produções, com destaque para o mascote Oscar, cujas características caricaturais tornavam a interação dos participantes na pesquisa mais suave e divertida. Os personagens apareceram em diversos produtos de design gráfico utilizados na pesquisa: cartazes, oficinas, cartilha, jornal e website feitos para o IVR, entre outros.

Mas também era necessário quebrar tabus como de alguns temas para debate. Por intermédio de uma telenovela de época foi possível utilizar e debater temas inerentes à história dos personagens, que de alguma forma tornaram mais fácil a interação com os respondentes. Outra prática baseava-se em brincadeiras como Jogos de Linguagem, com o aproveitamento de conceitos e símbolos usados pela comunidade através de encenações e contações de estórias. Os participantes destacaram algumas palavras-chave para ajudar a entender que tipos de oportunidades poderiam ter aproveitamento no projeto.

Em vários momentos foram utilizados mock-ups, que são réplicas de algum objeto/produto, para interação do usuário. Segundo Andrea, pôde se identificar reações dos usuários em situação próxima ao contexto de uso e, assim, aperfeiçoá-lo ou implementá-lo. Com isso, recordou, houve retorno muito importante das agentes de saúde, que destacaram suas opiniões sobre o que deveria ser mudado com argumentos. “Na apresentação de mock-ups, pudemos interagir em situações muito próximas à realidade”, como as sugestões das agentes para ter um impresso com dicas para consumo de alimentos saudáveis e de alterações num protótipo de cartilha.

As informações recebidas por especialistas da área de saúde, voluntários e membros da comunidade permitiram o conhecimento de atitudes e crenças dos participantes, entre as quais sonhos e esperanças, suporte social, situação nutricional, acesso ao sistema de saúde e situação ambiental e comportamental.

Outro método aplicado foi o Magic Thing, desenvolvido em Helsinque para prototipação, que ajudou a elaborar conceitos para serviços aplicados a dispositivos móveis – smartphones, iphone, tablete, ipad – e, assim, na melhor compreensão das expectativas, necessidades, pontos de vista e discernimentos da comunidade. É uma simples representação física de um dispositivo tão inteligente que poderia ‘resolver’ todas as espécies de problemas em Vila Rosário. Para isso, houve adaptação improvisada em oficinas, com versões simuladas dentro dos propósitos do trabalho.

O sentido figurado e sua interpretação é a essência do desenvolvimento dos trabalhos de Magic Thing. Após manipular determinada peça, uma das agentes a abriu e disse se parecer com uma caixa mágica. Isso, no entender de Andrea, foi o insight para adaptar o procedimento e torná-lo o “make a wish”, que na tradução literal significa “faça um desejo”. Segundo ela, essa simples alteração tornou possível novos entendimentos do contexto, uma maior interação dos pesquisadores com as agentes. “Uma vez que as agentes se sentiram parte da construção da pesquisa, tivemos maior comprometimento e troca de experiências de forma autêntica. Houve confiança e reciprocidade”, percebeu.

Algumas partes do trabalho também foram realizadas em Brasília, Rio de Janeiro e Windhoek (Namíbia).

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