Uma esclarecedora análise histórica com elementos sociológicos e antropológicos sobre a participação da mulher relacionada à tuberculose como cuidadora, enferma, no trabalho e no campo das ideias ao longo do tempo é a tônica do livro “La Mujer en la Historia de La Tuberculose”, reeditado em 2015, do neumólogo espanhol Jesús Sauret Valet. Editada e coordenada pela Respira – Fundação Espanhola do Pulmão e Sociedade Espanhola de Neumologia e Cirurgia Torácica (Separ), a publicação baseia-se em estudos e documentos colhidos por ele, e está totalmente disponibilizada nessa página.
Até boa parte do século 20, como mostra a publicação, raramente os homens compartilhavam cuidados para aqueles que adoecessem nas famílias, e por isso mesmo todos os encargos costumavam ficar por conta das mulheres. Muito tempo passou para que essas conseguissem atuar como assistentes e enfermeiras em sanatórios, e depois contribuíssem como médicas. O livro envereda também pela relação tuberculose e exacerbação da sexualidade como algo comum em meados do século 19 e início do século 20, além de demonstrar as inúmeras dificuldades vividas pelo sexo feminino quando se tratava de tuberculose, principalmente pelo machismo.
A literatura e a arte durante o período do Romantismo enalteciam a beleza tísica feminina caracterizada pela delgadez, languidez, brilho dos olhos por febre, largas pestanas, mãos finas e palidez. A tuberculose na mulher então intensificava a sexualidade e chocava frontalmente a moral cristã, que a transformava num perigo espiritual, conforme a narrativa do autor. Em muitos casos, todo o encanto dos homens pelas enfermas com tuberculose acabava quando vinham a caquexia – estado de desnutrição profunda que resulta em perda de peso, atrofia muscular, fadiga, fraqueza, perda de apetite e, quase sempre, a morte.
Entre os principais objetivos de Valet está o de distinguir injustiças sociais que se fundamentavam em falsos argumentos quanto à tuberculose. Algo explícito nos cartazes e folhetos publicitários das campanhas institucionais de luta contra a tuberculose das primeiras décadas do século 20 pela forma como a enfermidade era representada. A tratavam, segundo Valet, como “uma sinistra depredadora” e os bacilos de Koch como “flechas envenenadas” que ameaçavam introduzir-se nos lugares e destruir famílias.
Ao homem, prosseguiu o autor, cabia se lançar com todas as forças para combater a tuberculose, enquanto a mulher tinha a função de mãe ou de enfermeira para cuidar dos filhos e dos mais débeis. O neumólogo esclareceu que com isso não pretende justificar o rol secundário que durante séculos assumiu a mulher e, sim, buscar explicação irrefutável sobre porque ela ficou tanto tempo numa missão básica em relação à tuberculose no atendimento a enfermos do entorno familiar. Mas foi além: até mesmo quando enfermas tuberculosas, muitas mulheres ficavam felizes porque podiam compartilhar com o homem o trágico destino.
Trabalho assistencial
As primeiras congregações de atenção a pobres e enfermos a partir do século 6 d.C foram masculinas, e essa tendência pela maior valorização do homem durou muito. A integração da mulher na luta contra a tuberculose não foi nada fácil. Uma notável exceção, recordou o autor, ocorreu dos séculos 11 ao 13 com a Associação das Beguinas nos Países Baixos e na Alemanha, uma ordem não religiosa constituída por mulheres piedosas e católicas que viviam em congregações perto de hospícios e leprosários, onde foram incorporadas ao trabalho assistencial. A partir daí, o autor discorre sobre seguidos avanços na participação de mulheres no segmento da saúde, sobretudo voltada à tuberculose.
Em 1905, EUA, Inglaterra, França e Alemanha adotaram o trabalho de enfermeiras visitadoras de dispensários e preventórios antituberculosos, com a missão de colaborar no controle epidemiológico e instruir as famílias de pacientes e a população em geral sobre as regras básicas para evitar o contágio. Outros lugares incorporaram enfermeiras. Dez anos depois se reconheceu na Espanha a enfermeira como profissão sanitária. Além da equipe médica, o Serviço de Assistência Social dos Tuberculosos de Barcelona, criado em 1921, tinha quatro enfermeiras para o dispensário e duas visitadoras a domicílios. Já o Dispensário Amparo Landa, em Madri, teve o valoroso trabalho de enfermeiras visitadoras na vacinação com BCG de 3.500 crianças durante 6.300 visitas. Outra importante contribuição da mulher consistiu no trabalho desenvolvido por enfermeiras nos sanatórios antituberculosos e em inovações a partir da fisioterapia.
Em uma das passagens da obra, Valet lembrou a reação do movimento feminista nos EUA e Inglaterra quanto ao antifeminismo de base científica. Até a segunda metade do século 19, as mulheres tiveram vetado o acesso ao ensino superior em muitos países, tanto que na Espanha só em 1872 foi matriculada a primeira mulher em uma faculdade de medicina. Nos últimos 50 anos, prosseguiu Valet, o número de mulheres que estudam e exercem medicina não tem parado de crescer, algo considerado por ele como verdadeira revolução social. Aliás, o neumólogo salientou que o livro é “uma homenagem a companheiras de profissão na luta contra a tuberculose”.
Para acessar o livro, entre em http://goo.gl/LdPJyJ.