No dia 1º de julho foi comemorado o Dia da Vacina BCG, um importante instrumento na luta contra a tuberculose. A doença, transmitida pelo Mycobacterium tuberculosis (bacilo de Koch),é tão antiga quanto as tentativas de se combatê-la. A Fundação Ataulpho de Paiva (FAP), cujo embrião é a Liga Brasileira Contra a Tuberculose, há mais de um século têm contribuído para a diminuição dos índices de contaminação. Em entrevista, o diretor científico da FAP, Luiz Castello Branco, contou um pouco dessa história e fala sobre a ação da BCG brasileira, primeira vacina do país a ser reconhecida como reagente referência pela OMS. A matéria também fala sobre a importância da vacina no controle da tuberculose e os projeto para exportação
O que é o BCG e qual foi o contexto de sua criação?
Castello: BCG significa Bacilo de Calmette-Guérin. Calmette e Guérinforam dois pesquisadores franceses que trabalhavam no Instituto Pasteur, os quais, durante treze anos, no início do século XX, tentaram desenvolver uma vacina que fosse eficaz contra a tuberculose (Mycobacterium tuberculosis). Primeiramente, eles isolaram um bacilo bastante parecido com aquele (o Mycobacterium bovis, que dá tuberculose em bois) e fizeram replicações, no sentido de atenuar esse bacilo. A ideia, concebida por Louis Pasteur, consistia na utilização de um bacilo bastante semelhante ao causador da doença para que fosse feita uma vacina contra esta patologia.Durante esses anos, os pesquisadores aplicaram essa vacina em animais, de modo a verificar se estariam imunes à tuberculose. Em seguida, os experimentos passaram a recair sobre seres humanos. Inicialmente, essa vacina era aplicada por via oral.
Qual é a importância de Arlindo de Assis para este processo?
Castello: No Brasil, o responsável por esse método de passagens entre culturas foi o professor Arlindo de Assis, Diretor da Fundação Ataulpho de Paiva. Ele utilizou meios de cultura diferentes daqueles recomendados pelo Instituto Pasteur; principalmente por causa da Segunda Guerra Mundial, período durante o qual o pesquisador não recebia os insumos que eram necessários para essas replicações. Com essa adaptação, aquela vacina que, incialmente tinha uma característica, foi modificada. Para nossa sorte, essa modificação propiciou o desaparecimento de um gene responsável porefeitos adversos, coma criação de uma vacina única, que é oBCG Moreau Rio de Janeiro. Na verdade, deveria se chamar Arlindo de Assis, uma vez que foi ele quem tratou e cultivou o bacilo, que se modificou bastante em relação as amostras trazidas à época pelo pesquisador uruguaio Julio Moreau, que trabalhara com Calmette e Guérin no Instituto Pasteur.
Então esses pesquisadores desenvolveram um intenso intercâmbio com outros países?
Castello: O mais interessante é que, naquela época, havia um pensamento, no meio científico, político mais socialista do que nos dias atuais. Assim, uma vez que não havia patentes, a vacina foi distribuída entre osdiversos países que a solicitavam. A forma de conservação da vacina não era como é atualmente. Antes, era preciso pegá-la, colocá-la no meio de cultura e ir repicando. Hoje, liofiliza-se a vacina, como se fosse leite em pó, colocando-a, em seguida, em ampolas que são armazenadas em freezers, até que estes sejam abertos para que ocorra o cultivoda vacina. Com a antiga metodologia, dependendo da localidade do mundo, o BCG foi adquirindo propriedades próprias, diferenciando-se do original. Em suma, as passagens repetidas, bem como os diferentes meios, resultaram na diversificação da vacina. Por isso, atualmente não há apenas um tipo de vacina BCG; embora apenas quatro sejam certificadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS): a brasileira (Moreau Rio de Janeiro), a russa, a dinamarquesa e a japonesa.
“Nossa vacina, com dois locais de vacinação é a que tem menos efeitos adversos e uma proteção bastante elevada, sendo a melhor, quando comparada com as outras vacinas”
Há estudos que apontem a maior ou menor eficácia dentre as quatro vacinas reconhecidas pela OMS?
Castello: Sim. Há estudos clássicos feitos até os anos 1960 que mostravam que algumas vacinas eram menos ou mais efetivas. A partir dessa década, novos trabalhos apareceram, como o do Professor Maurício Barreto, do final dos anos 1990, que demonstram que a nossa vacina, com dois locais de vacinação (Salvador e Manaus) é a que tem menos efeitos adversos e uma proteção bastante elevada, sendo a melhor, quando comparada com as outras vacinas.
Como foi o processo de análise da BCG pela OMS?
Castello: A BCG foi preparada pela FAP, estudada por 16 laboratórios certificados pela OMS em 13 países diferentes (representando todos os continentes) e estabelecida como um reagente de referência mundial pela própria OMS em 2012.
A BCG surgiu em um momento histórico de grande proliferação da tuberculose, tanto no continente europeu quanto no americano. Qual é o atual quadro dessa doença?
Castello: O quadro é bastante diferente. É preciso dividir a tuberculose na criança e no adulto. No primeiro caso, tratava-se de um dos principais fatores de mortalidade, bem como de doenças, como a tuberculose pulmonar, a tuberculose de forma extrapulmonar e a meningite por tuberculose, causadora de uma grande incidência de mortes nessa faixa etária. A partir de um estudo desenvolvido na Baviera [estado alemão], pôde-se constatar que, antes do surgimento da vacina BCG, esses índices eram, de fato, bastante elevados. Igualmente, em relação à tuberculose pulmonar, há estudos no Brasil que mostram que, no Rio de Janeiro, muitas crianças morriam devido a essa doença. Com a vacina BCG, esses índices caíram, equiparando-se aos baixos índices internacionais.
E quando houve esta redução?
Castello: Na verdade, houve uma redução dos casos de tuberculose em todo o mundo, onde à vacina antecederam-se medidas preventivas, como melhoras sociais. Todavia, devido à incidência do vírus do HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana, da sigla em inglês), esse quadro de melhoras foi novamente modificado.
A FAP atende a 100% da demanda nacional. Há projetos de atuação em âmbito internacional?
Castello: No momento, há uma fábrica em construção, em Xerém [distrito de Duque de Caxias]. Há inúmeros países, sobretudo pobres, que têm deficiência da vacina. A OMS, através da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância, da sigla em inglês), e a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) são as responsáveis pela compra e distribuição dessa vacina. Dessa forma, assim que a fábrica estiver pronta, nós deveremos exportar a vacina BCG.
Enquanto pesquisador da FAP, o seu trabalho consiste na tentativa de “atualizar” a vacina BCG?
Castello: Nesses últimos 20 anos, fizemos inúmeros trabalhos deatualização como estudos sobre a imunogenicidade, o genoma,o proteoma, a certificação da estirpe e da vacina BCG Moreau Rio de Janeiro. Além disso, nós desenvolvemos e colocamos o BCG para câncer superficial de bexiga. Nós cumprimos todos os padrões determinados pela OMS para a utilização dessa vacina; inclusive, nós aperfeiçoamos a metodologia de controle da vacina.